04 janeiro, 2011

Lords, ladies, tea and timing

No território das séries americanas, as disputas acontecem entre as categorias vampire drama (True Blood, Vampire Diaries), medical drama (House, Grey’s Anatomy), crime drama (CSI, Law & Order), family drama (Brothers & Sisters, Parenthood).

Já entre as séries britânicas, a grande disputa de 2010 aconteceu no galante território do drama de época, onde dois programas duelaram pela atenção da audiência no segundo semestre: Upstairs, Downstairs (do canal público BBC), e Downton Abbey (do canal comercial ITV).

Ambas são representações de um passado nostálgico, utilizando-se de um dos gêneros mais exportados pela indústria britânica do entretenimento: o costume drama, ou drama de época. Ambas são co-produções com a TV pública americana. Ambas são meticulosamente bem produzidas e bem atuadas. Ambas exploram em algum momento as mudanças trazidas pela guerra. Ambas observam, através de uma lente de aumento, as relações simbióticas entre tradicionais famílias inglesas e sua criadagem. Como não poderia deixar de ser numa sociedade classista como a britânica, a dinâmica entre classes é uma temática constante. Assim, enquanto no “upstairs” ninguém se despe sozinho, prepara seu próprio banho, e muito menos prepara seu próprio chá, “downstairs” trabalha-se 24 horas por dia e vive-se para servir, e os dramas familiares do andar de cima são observados e discutidos pelos empregados como quem discute o enredo e os personagens da novela das oito.

Então afinal qual a diferença entre as duas séries, além do fato de uma se passar no período que antecede a Primeira Guerra Mundial, e a outra antes da Segunda?

Upstairs, Downstairs é a sequência de um estrondoso sucesso da televisão inglesa, multipremiada e  assistida por cerca de um bilhão de pessoas ao redor do mundo.Transmitida de 1971 a 1975 e reprisada incontáveis vezes, Upstairs, Downstairs tem lugar cativo no imaginário popular britânico. Sua música de abertura é tão familiar que equivaleria ao tema de abertura do nosso Dancin’ Days ou A Escrava Isaura, e o endereço 165 Eaton Place é tão conhecido quanto o 221b Baker Street de Sherlock Holmes.

Downton Abbey, cuja história inicia exatamente no mesmo momento histórico do Upstairs, Downstairs original, é uma cópia exata desse sucesso, o que gerou acusações de plágio e alfinetadas nos jornais e no Twitter entre as equipes das duas produções. 

Em teoria, tudo isso faria de Upstairs, Downstairs um sucesso garantido, enquanto Downton Abbey seria apenas visto como o primo pobre, sem pedigree, sem lugar na memória coletiva. Mas na prática, Downton Abbey acabou vencendo nos números e se revelando a surpresa do ano, com uma extraordinário audiência de 10 milhões de espectadores. Upstairs, Downstairs não fez feio com seus 7,4 milhões, mas sem dúvida ficou abaixo do esperado pelos executivos da BBC.

Os possíveis motivos já foram examinados pela crítica, mas embora as conclusões tenham sido diversas, o elemento comum em todas é timing. Apesar do enorme carinho do público pelo Upstairs, Downstairs original, e da nova versão ter sido transmitida num horário nobre reservado para especiais de Natal, o fato de ter sido veiculada mais de dois meses após sua concorrente na ITV teve um peso maior do que calculado.

Ao que parece, não há espaço ou interesse na mente do público britânico para duas tramas similares. E de acordo com os impiedosos índices de audiência, o drama dos Crawley, com a Dama Meggy Smith no elenco, ganhou dois milhões a mais de seguidores do que o da família Holland, mesmo tendo a excelente Dama Eilien Atkins (também criadora da série) no papel de matriarca.

A nova versão Upstairs, Downstairs, da mesma forma que a versão moderna de Sherlock, foi lançada como microssérie de três episódios, uma estratégia que tem sido utilizada pela BBC para “testar as águas” da audiência. Conquistando bons índices, a produção recebe luz verde da emissora, que encomenda então uma temporada com 6 ou 8 episódios. Trata-se de uma boa saída, não apenas para driblar as constantes criticas ao desperdício de dinheiro público em programas com baixa audiência, mas também para despertar interesse na audiência, que enquanto espera pelos novos episódios debate os personagens e os possíveis rumos da trama nas mídias sociais. Mas como as séries ainda não estrearam na América, e a batalha ainda se resume ao sisudo solo inglês, talvez ainda seja um pouco cedo para esperar fãs desfilando com camisetas de “Team Holland” e “Team Crawley”. Mas a disputa ainda é hot topic na hora do chá.

2 comentários:

Paulo disse...

Ótimas dicas! Vou procurar assistir, o retrato das relações entre patrões e empregados já rendeu filmes muito bons (tipo o imperdível "Gosford Park"), num formato mais longo deve ficar ainda melhor!
O seu texto está maravilhoso! Beijão Sheron e um Feliz Ano Novo!

Sheron Neves disse...

Obrigada!
Adoro o tema tambem, e roteirista de Gosford Park é o mesmo de Downton Abbey!
Feliz ano novo pra ti tambem.
S.

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