09 janeiro, 2013

Storytelling, fãs e as fronteiras entre produtor e consumidor de conteúdo

(Artigo publicado originalmente no Blog da Escola de Criação ESPM em 12/12/2011)


A temática dos fãs, e de sua passional relação com certas histórias e personagens, sempre me fascinou. O que leva uma pessoa a vestir-se de super-herói e participar de uma Comic-Con? Ou a decorar a língua dos Klingon de Star Trek? Ou tatuar a imagem de Lara Croft, a heroína do jogo Tomb Raider? Ou pagar milhares de dólares no eBay pela bolsa usada por Carrie Bradshaw em um episódio de Sex and the City? Que paixão é essa que faz com que uma pessoa adulta (sim, porque diferente do que se pensa este comportamento não se resume só a adolescentes) invista tempo e dinheiro em colecionar, estudar (no caso dos acafans) e criar conteúdo relacionado ao seu objeto de adoração? 

O elemento comum entre os exemplos citados acima é que são todos provenientes de histórias, sejam elas de filmes, séries, quadrinhos ou games. Estas histórias são, para os fãs mais ávidos, quase uma forma de autodefinição, uma experiência quase religiosa. Por que então não explorar este mesmo elemento na comunicação de uma marca, para gerar literalmente um exército de fãs?

Com exceção de pouquíssimas marcas que conseguem gerar de forma quase espontânea este tipo de envolvimento (Apple e Harley Davidson vêm à mente), o desafio de gerar fanatismo em torno de uma marca é, para um departamento de marketing, o equivalente a chegar ao topo do Monte Everest. Mas surgiram mudanças fundamentais nos últimos anos que podem facilitar – e muito – esta escalada.

“Vamos parar de fazer marketing e vamos contar histórias. Mesmo que isso pareça loucura, precisamos colocar a emoção em primeiro lugar, e a marca em segundo (ou até mesmo em terceiro).” David Martin, na Forbes

Uma delas é a convergência, tanto midiática como cultural, que permite a criação de portais de interação com consumidores, e que podem ser acessados a qualquer momento e de qualquer lugar do planeta. Outra é a possibilidade de explorar a narrativa transmídia na comunicação com o público, gerando participação, imersão e um envolvimento bem maior. E no meio disto tudo, o bom e velho storytelling, que existe desde os tempos das cavernas, ganha força novamente. Embora não seja uma ferramenta nova, ela hoje se torna mais viável tanto para grandes como para pequenas marcas. E com ela não só a possibilidade de contar histórias, mas de criá-las em conjunto com o público, que é levado a mergulhar no universo da marca da mesma forma que mergulha nos seus filmes, séries, quadrinhos e games favoritos. A tal subida ao Everest, afinal, talvez não seja mais tão íngreme.

“Aceite o fato: você não e dono da sua marca, mas sim seus consumidores. E eles são capazes de gerar mais conteúdo do que você jamais conseguiria.” Joe Tripodi, CMO da Coca-Cola, na Harvard Business Review

O poder de uma comunidade de fãs não pode ser subestimado. Algumas empresas têm aprendido esta lição a duros custos. Houve um tempo em que a Mattel não hesitava em processar os aficionados que produziam versões temáticas não oficiais da boneca Barbie. Hoje ela tolera – ao mesmo tempo em que supervisiona – a prática. Da mesma forma, cansada de correr atrás de “infratores” que criavam cartazes, camisetas e outros produtos da franquia Lost, a ABC decidiu comercializá-los dentro da sua própria loja online, estrategicamente marcados com o selo fan made (o que desvia a atenção do comercialismo e age como um certificado de autenticidade de que a peça foi feita com carinho por alguém que divide com o consumidor a mesma paixão.


Talvez um dos casos mais interessantes dos últimos anos seja o da AMC. Ao ameaçar os fãs que em 2008 começaram a tuitar em nome dos personagens da série Mad Men, os advogados da emissora não contavam com o poder desta comunidade, que ficou ultrajada e deu início a uma extensa polêmica A cultura da convergência vem transformando narrativas (sejam elas de filmes, séries ou de mensagens publicitárias) em convites para imergir. Frank Rose e Henry Jenkins afirmam que à medida que as linhas entre real e imaginário se confundem na atual cultura, produtores de conteúdo são obrigados a adaptar suas estratégias de marketing para o novo ambiente midiático, no qual a mídia corporativa e a mídia alternativa se cruzam, e os produtores e consumidores de conteúdo se confundem.

“Fan fiction. Brand hijacking. Violação de copyright. Dedicação pura. Chamem como quiserem, nós chamamos de extinção das fronteiras entre produtores e consumidores de conteúdo. Somos seus fãs, seus defensores até o fim. Quando suas séries são canceladas, somos nós os primeiros a fazer abaixo-assinados. Falem conosco. Sejam nossos amigos. Envolva-nos. Mas por favor, não nos trate como criminosos.” Bud Caddell, da digital think-tank Undercurrent

Joe Tripodi, CMO e CCO da Coca-Cola, alega que a empresa está hoje tão interessada nas impressões como nas “expressões” dos consumidores. Ele recomenda que quando os consumidores se apropriam de uma marca, os departamentos jurídicos e de marketing devem aprender a não interferir. Ao invés disso, precisam aceitar e trabalhar em colaboração com o coletivo, tornando-se portanto facilitadores, e não controladores.

“A rebelião dos consumidores começou. Eles tomaram dos profissionais de marketing o poder de definir a imagem das marcas. E à medida que ganham ownership da marca, sua lealdade cresce.” Richard Meyer, na Social Media Today




Ao se deparar com este desafio, a AMC aprendeu, após alguns contratempos, a não superestimar o controle sobre seu conteúdo, e acabou não apenas permitindo que os fãs se apropriassem da marca, mas também terminou por englobar a criação de universos paralelos à sua própria estratégia de marketing, com a bem sucedida campanha Mad Men Yourself (leia mais sobre o case em meu artigo na Revista GEMInIS da UFSCar).

Os fãs sempre produziram conteúdo, mas com a convergência midiática eles têm à sua disposição um ferramental sem precedentes para compartilhar sua produção. O novo fã já não grava mais programas apenas para si, ele legenda e disponibiliza o episódio para download. Ele constrói enciclopédias temáticas colaborativas, os wikis, com outros fãs online. No Twitter, a fan fiction tem não só uma nova plataforma, mas uma nova categoria: o twittertainment. No YouTube, os fan videos têm um novo canal de distribuição simplificado e democrático. A fan art produzida hoje pode ser exibida online, e vendida, legalmente ou não, em sites como o eBay ou Etsy. O novo fã é participante, e aí reside a grande oportunidade. Cabe à empresa criar e gerenciar múltiplos portais de entrada para o universo da marca, e convidá-lo a entrar e co-criar. Ele retribuirá com lealdade. E compartilhamentos. O risco em não fazê-lo? O conteúdo provavelmente será criado e compartilhado de qualquer forma, e você vai ficar de fora olhando.



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