Imagine
um adolescente ao assistir televisão. Ele provavelmente estará com um tablet no
colo, pronto para conferir vídeos relacionados ao documentário do Animal
Planet, transmitido pela emissora, ou terá pedido o celular da irmã mais velha
emprestado para acessar o último episódio de Dança dos Famosos.
Quando
esse jovem adolescente tiver idade para ir à universidade, sua experiência com
a TV será muito mais rica. Por meio do aparelho, ele poderá convidar os amigos
para assistir ao vídeo filmado por seus colegas, que carregou em sua biblioteca
de conteúdos doméstica e armazenou na nuvem. Quando os amigos forem embora, ele
utilizará o controle remoto da televisão para um passeio em alta resolução pelo
bairro de Pequim, onde seu irmão mais velho mora, ou selecionará um cena de seu
filme favorito para assistir.
Será
o fim do aparelho de TV? O declínio dos televisores foi previsto há anos, por
conta do crescimento da internet, mas a TV chegou para ficar. Seu papel de
proporcionar entretenimento envolvente, coletivo ou individual continuará. A
televisão se transforma a cada dia e o processo por trás da tela passa por
mudanças drásticas.
A
TV será ainda mais útil para o entretenimento, educação e informação.
Executivos, cineastas, canais de televisão, prestadores de serviços via
Internet e até os operadores de comunicação, que fazem a ligação final com o
consumidor) acreditam que a reinvenção da TV será uma revolução. As
organizações que captarem rapidamente as mudanças na criação, financiamento,
produção e transmissão de conteúdos televisivos estarão à frente das demais,
que poderão enfrentar uma concorrência nova e feroz. Um exemplo disso é a pressão
que as empresas de TV a cabo sofrem dos chamados provedores OTT (over-the-top),
como a Netflix e a Hulu, que transmitem pela Internet. Atualmente, assistimos o
colapso das barreiras que costumavam impedir a entrada de novos participantes
no mercado da TV.
Como
a TV pode continuar relevante na era dos tablets e smartphones? O
tempo dedicado à televisão foi compartilhado com laptops, celulares e tablets e
fragmentado, por conta das ocupações e agitações da vida moderna. Esses fatores
forçam comportamentos como a gravação de um episódios do seriado do momento,
perdido por causa da reunião do conselho escolar.
Pesquisas
recentes da Accenture sobre os hábitos dos telespectadores revelam que 62% usam
um computador ou laptop enquanto assistem TV e 41% por cento utilizam o celular
- enviam mensagens para amigos sobre alguma piada transmitida ou verificam a
veracidade do discurso de algum político, por exemplo. Se juntarmos a este
cenário a disponibilidade generalizada de Internet sem fio de alta velocidade,
a experiência do telespectador moderno se torna muito mais interativa,
consumível e fácil de ser compartilhada em tempo real.
Meio dominante
A
telona da sala é e continuará a ser um meio de comunicação dominante. Ainda não
há um substituto para a experiência coletiva de se assistir a uma final de
campeonato ou da temporada de um seriado popular. Um outro estudo da Accenture
revela que os jovens estão muito mais ligados na TV do que se supõe. Mesmo na
faixa dos 25 aos 34 anos, eles assistem, em média, 140 horas de programação
“tradicional” , mais de 20 vezes a quantidade de horas gastas com vídeos na
Internet ou em celulares.
Quase
metade desses indivíduos ainda senta em frente a TV para assistir a algum tipo
de conteúdo OTT, ao invés de procurar seus tablets ou celulares. Um outro dado
que merece destaque é sobre os usuários do YouTube, eles assistem cerca de
cinco horas de vídeos por mês, uma quantidade ínfima perto do tempo que passam
em frente a TV.
A
televisão ainda tem muito poder para atrair audiência e as mudanças e
transformações continuarão a seduzir os telespectadores. Em poucos anos
poderemos usar a TV para acessar um ecossistema completo de conteúdos ricos e,
em grande parte, totalmente interativos e disponíveis via Internet. O acesso será
fácil, a partir de catálogos de conteúdos e um aparelho de mão - talvez uma
geração futura do smartphone, ou um dispositivo exclusivo que seja tão simples
e intuitivo quanto o controle remoto.
Outra
tendência significante das mudanças causadas pela revolução da TV é a
transformação de telespectadores em criadores de conteúdo capazes de ampliar o
que aparece nos canais de notícias. Ao mesmo tempo, os grandes estúdios de
cinema atendem a crescente demanda por conteúdo visual de primeira linha e
investem pesado na produção de seus blockbusters. Estima-se que foram gastos
aproximadamente 150 milhões de dólares com último filme de James Bond, Skyfall,
e cerca de 250 milhões de dólares com o filme Batman - O Cavaleiro das Trevas.
Essas superproduções são planejadas desde o início para ampliar as
oportunidades downstream em extras, vídeos para a Web e aplicativos. Cada vez
mais os conteúdos podem ser distribuídos por lojas online, como a Amazon,
localizados no Google ou oferecidos sem custos pela Bravo, por exemplo.
Rei do conteúdo
Executivos
de redes e operadoras de TV a cabo não precisam procurar muito para enxergar o
que abala suas bases. A resposta é óbvia: tecnologia - do aparelho de TV à
mídia social cujo compartilhamento de informações por meio dos serviços de
nuvem permitem armazenar imensas quantidades de dados. O fato é que o
consumidor comanda o conteúdo.
Na
última década, o controle passou rapidamente para as mãos do telespectador. Com
o TiVo e outros sistemas de gravação digital ficou fácil escolher quando
queremos assistir nossos programas favoritos, mas os consumidores também querem
personalizar a programação com os recursos de pesquisa, recomendações, redes
sociais e serviços cada vez mais integrados. A Accenture verificou que 64% das
pessoas preferem pesquisar vídeos por gênero, como faroeste ou desenho animado,
e 43% procuram novos vídeos com mecanismos de recomendação, que acompanham suas
preferências e sugerem conteúdos similares. Aproximadamente 28% dos usuários de
serviços como Netflix e YouTube criaram listas de reprodução de vídeos. Ambas
as empresas facilitam esse tipo de operação, pois utilizam o histórico de
comportamento dos usuários para fazer recomendações relevantes. A história se
repete com os serviços de música oferecidos por empresas como Pandora e Spotify
e com a comercialização de mercadorias realizada pela Amazon.com.
As
pessoas passaram de simples consumidoras de conteúdos para distribuidoras . Os
usuários de mídias sociais têm, em média, 3,2 amigos que publicam vídeos pelo menos
uma vez ao dia; quase quatro em cada 10 consumidores publicam vídeos em mídias
sociais. Mais da metade dos participantes da pesquisa da Accenture estariam
interessados em recomendar vídeos para outras pessoas como parte de sua
participação num serviço de vídeos.
Não
se trata somente do controle, mas da criação de conteúdo. O termo “prosumer”
(contração que significa “consumidor profissional”) começa a aparecer para
descrever amadores talentosos que usam tecnologias sofisticadas e acessíveis
para produzir reportagens ou vídeos educativos com qualidade. Amantes de
aventuras podem comprar uma câmera GoPro por menos de trezentos dólares,
acoplá-la a mountain bike ou a mascara de mergulho e produzir imagens de
qualidade, que podem ser editadas facilmente em qualquer laptop e
compartilhadas em mídias sociais. O crescimento do chamado "conteúdo
gerado por usuários" explodiu. O YouTube já tem mais de 800 milhões de
usuários únicos por mês e, embora a maioria somente assista, cada vez mais
pessoas publicam seus conteúdos ou produções de colegas.
As
possibilidades crescem com tanta rapidez e chegam tão longe que podemos dizer
que o conteúdo criado pelos prosumers,
em breve, será um concorrente sério para alguns tipos de material profissional,
como filmagens para telejornais e reality shows. Até mesmo o financiamento para
criação de conteúdos foi alterado pelos consumidores.
Se
por um lado os fatores tecnológicos pressionam a indústria da mídia, do outro
lado estão os anunciantes, que querem e precisam mensurar o retorno de seus
investimentos. Para os meios de comunicação tradicionais, dar medidas exatas
sempre foi difícil. Com a explosão das mídias de Internet, a situação ficou
mais complicada, pois suas métricas são mais precisas e a atenção do
telespectador foi fragmentada entre as diversas opções de entretenimento.
Em busca do pote de ouro
Quem
é o vencedor no novo mundo da mídia? O consumidor é claro. Outros vencedores
provavelmente vão surgir fora da curva que definiu o setor nos últimos
cinquenta anos. Não é exagero dizer que empresas como a Amazon e o Google vão
ganhar muito, assim como outras que compreenderem o significado da cadeia de
valor dos meios tradicionais e do desenvolvimento de novos valores e consumo em
mídia. Assistimos à chegada e o crescimento de organizações que oferecem novas opções de acesso a conteúdos digitais. Companhias como o YouTube e a Netflix criam seus próprios conteúdos para diferenciar a marca e melhorar sua posição na batalha pelos direitos autorais. Amazon, Google e Apple já oferecem uma quantidade significativa de conteúdos para seus consumidores, mesmo que essa não seja a base de seus negócios. O negócio do Google é a pesquisa, mas a empresa transmite mais de 4 bilhões de horas de vídeo todo mês por meio do YouTube.
A maior parte das receitas da Apple vem da venda de seus aparelhos. Isso não impediu a companhia de ganhar 2 bilhões de dólares no terceiro trimestre de 2012 com a iTunes Store, Apple Store, iBookstore, vendas de serviços para iPod e acessórios com a marca Apple ou de terceiros para iPod.
Os
novatos vão onde o dinheiro está. Eles perceberam que o sucesso no setor de
mídia gira em torno dos conteúdos de qualidade. Isso explica o anúncio feito
pelo YouTube em outubro de 2011 sobre investimentos de 100 milhões de dólares
em canais premium. Em maio de 2012, a Netflix também anunciou seus planos de
investir 185 milhões de dólares na criação de conteúdo original em cinco anos.A
nova temporada de Arrested Development e House of Cards, versão americana da
série britânica política, dirigida por David Fincher e estrelada por Kevin
Spacey, são frutos da iniciativa anunciada pela Netflix.
Os
deslocamentos tectônicos sofridos pela indústria da mídia mudarão sua paisagem
e alterarão tudo, do fluxo de investimentos dos anunciantes ao funcionamento do
próprio setor. Parte
desse futuro já chegou. Nos últimos meses, alguns provedores de conteúdo em OTT
reforçaram sua posição. A Netflix tem mais assinantes do que várias operadoras
de TV a cabo nos Estados Unidos. São números impressionantes se considerarmos
que a empresa foi fundada em 1997.
As
operadoras com mais visão de futuro entre as tradicionais já iniciaram mudanças
consideráveis para melhorar seu posicionamento no novo mundo da mídia. A
British Sky Broadcasting permite que seu conteúdo seja acessado por
dispositivos variados e o YouView - um novo sistema aberto que facilita o
acesso às tecnologias de TV por transmissão de IP numa interface intuitiva -
está apoiado em gigantes do setor como a BT e a BBC.
Chega de tiros no escuro
Os
modelos tradicionais, que envolvem a assinatura de conteúdos, não são os únicos
ameaçados pelo novo formato. Com a chegada do formato OTT e diante da maneira
que os telespectadores consomem conteúdos - programação assistida de forma
holística, com as experiências de entretenimento digital, como TV, filmes,
vídeos na Web, jogos e aplicativos -, os anunciantes também terão que se
adaptar.
A
migração gerenciada de direitos para novas plataformas preservou os anunciantes
da TV tradicional e as assinaturas de TV paga como as principais fontes de
renda. O setor está prestes a mudar rápido demais para que isso continue assim.
As assinaturas podem deixar de ser pacotes inchados e oferecer opções à la
carte que permitam escolher e pagar exatamente o conteúdo desejado para
fornecedores diferentes, inclusive os da Internet.
Executivos
de marketing já trabalham na redistribuição e otimização dos orçamentos entre
plataformas. As coletas de dados e ferramentas de análise cada vez mais
sofisticadas sobre consumidores auxiliam nesse trabalho e permitem novas formas
de direcionamento e medição para as transmissões. A digitalização acaba com as
incertezas dos modelos de propaganda tradicionais, porque os dados digitais são
mais precisos e detalhados que os analógicos. Muito ainda precisa ser feito
para que os departamentos de marketing tradicionais consigam usar com eficácia
essas análises para oferecer anúncios personalizados e interativos, com uma compreensão
detalhada dos grupos de consumidores que responderão às novas ofertas
O
que significa então essa nova cara da TV para as empresas de mídia
estabelecidas? A ascensão do consumidor exige modelos de negócio baseados nas
suas necessidades mais do que nas de um canal, plataforma ou anunciante em
particular. Um único panorama do cliente é obrigatório para uma estratégia
multiplataforma centralizada.
As
empresas que conseguirem se adaptar experimentarão abordagens diferentes e
simultâneas. Será preciso criar e trabalhar com modelos de negócio híbridos e
reavaliar constantemente seu lugar no “ecossistema” da mídia. Talvez seja
necessário assumir novos papéis para localizar e capturar oportunidades de
receita. Os elementos de toda a cadeia da mídia precisam planejar uma
arquitetura totalmente diferente e nova para a distribuição de seus produtos.
Em
dez anos a TV será uma das maiores peças de mobília da sala de estar e ocupará
seu lugar de destaque na vida familiar. As empresas de TV se tornarão
irreconhecíveis se comparadas aos modelos operacionais e estruturas atuais. As
decisões que são tomadas pelos novatos, no topo e na base da cadeia de valor,
obrigam organizações estabelecidas a repensarem radicalmente suas práticas. As
redes de transmissão tradicionais - as mais ameaçadas -, precisam agir com
rapidez e segurança para sobreviver neste novo mundo.
As
decisões tomadas pelas Amazons e Googles vão muito além do próprio setor de
comunicações. Essas iniciativas darão o tom das escolhas que os anunciantes
terão de fazer, de uma empresa para outra ou da empresa para os consumidores.
Suas decisões também influenciarão a educação e são capazes de mudar o rumo do
desenvolvimento de novos produtos para fornecimento de conteúdo. Essas mudanças
poderiam até mesmo reformar a mídia em seu papel de refletora e influenciadora
de políticas públicas.
Parafraseando
a velha máxima da política: a nação irá onde a TV for.
(Sobre os autores: Robin Murdoch é líder do grupo de estratégia de Comunicações, Mídia e Tecnologia da Accenture, em Seattle. Youssef D. Tuma é líder de Serviços Digitais para a Accenture no Reino Unido, em Londres. Marco Vernocchi é líder do grupo de Mídia e Entretenimento das operações de Comunicações, Mídia e Tecnologia da Accenture em Milão.)
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